INTRODUÇÃO
À VIDA NÃO FASCISTA
DESCRIÇÃO
DO EVENTO
PARTICIPANTES
E RESUMOS
PROGRAMAÇÃO
LANÇAMENTOS
INSCRIÇÕES
ORGANIZAÇÃO
REALIZAÇÃO
E APOIO
HOSPEDAGEM
LINKS
|
PARTICIPANTES E
RESUMOS
"Reflexões
sobre o conceito de estética da existência"
Dr. Alexandre Alves - Pós Doutorado em História - IFCH / UNICAMP
Michel
Foucault introduziu o conceito de estética da existência para descrever
a ética das escolas filosóficas antigas, como o epicurismo e o estoicismo,
que implicavam uma transformação total da existência individual. As
"morais de estilo" da Antigüidade tinham como objetivo conferir beleza
à existência na harmonia entre logos e bios, como nos diz Foucault:
"O indivíduo se realiza como sujeito moral na plástica de uma conduta
medida com exatidão, bem visível de todos e digna de uma longa memória".
Porém, "estética da existência" permanece sendo um conceito de conteúdo
vago, ambíguo e algo enigmático. Ele também seria válido na análise
de outros contextos histórico-culturais, em particular na modernidade?
Fenômenos culturais modernos como o esteticismo literário e o dandismo
poderiam ser interpretados como formas autênticas de estética da existência?
É a essas questões que, com o auxílio de textos de Nietzsche, Foucault
e Deleuze, pretendemos responder nesta exposição.
"O currículo
e seus três adversários"
Dr. Alfredo Veiga-Neto - Programa de Pós-Graduação em Educação da ULBra
e PPG-Educação / UFRGS
Trinta
anos depois de ter sido publicado, o texto que Michel Foucault nos
ofereceu como prefácio ao Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia,
de Deleuze e Guattari (1977), pode ser lido, ainda nos dias de hoje,
como uma provocação e um estímulo.
De um
lado, a provocação. Ao traçar um rápido esboço acerca do pensável
e do dizível na Europa após a Segunda Guerra Mundial, Foucault alertava,
para o retorno do fascismo, naquela década de 1970. Em suas palavras,
um "retorno para abraçar a própria realidade" (Foucault, 2001, p.
133). E as provocações continuam em perguntas que ainda hoje nos inquietam:
"como fazer para não se tornar fascista mesmo quando (e sobretudo
quando) se acredita ser um militante revolucionário?"; "como liberar
do fascismo nossos discursos e nossos atos, nossos corações e nossos
prazeres?"; "como desentocar o fascismo que está incrustado no nosso
comportamento?" (id., p. 135).
De outro
lado, o estímulo. Mais uma vez, pensar com Foucault implica pensar
para além dele. Isso significa incorporar suas provocações e nos lançarmos
para pensar o presente. Nesse caso, como podemos ler aquele texto
prefacial, de modo a recolocá-lo no mundo de hoje? Que diz ali o filósofo
que possa nos ajudar a compreender melhor o momento atual ou, em outras
palavras, que possa refinar a história do nosso próprio presente?
Mas "Introdução
à vida não fascista" -o nome pelo qual ficou conhecido aquele Prefácio-
faz mais do que tratar do fascismo. Ele trata também de mais dois
adversários contra os quais o Anti-Édipo foi escrito: os ascetas políticos
(ou terroristas da teoria) e os técnicos do desejo (ou reducionistas
do desejo). Eis aí os nossos três adversários: o ascetismo, o reducionismo
e o fascismo.
É justamente
a partir desse ponto que a contribuição de Foucault naquele texto
me parece mais produtiva. Afinal, ainda hoje parecem estar bem ativos
tanto o terrorismo da teoria quanto os reducionismos do signo e do
sintoma, ambos articulados sob o manto do fascismo.
Nesse
sentido, considero bastante instigante examinarmos, a partir dos marcos
que o filósofo nos oferece, o que se passa no âmbito de alguns setores
do campo acadêmico. Dada a minha familiaridade com o campo da Pedagogia
-aqui entendida como o amplo conjunto de práticas e correlatos saberes
educacionais- e, mais especificamente, com o campo dos Estudos de
Currículo, tenho me ocupado em examinar o caráter fascista de boa
parte dos discursos que atravessam e conformam tais campos, sustentando
e legitimando suas práticas. Trata-se, aqui, de compreender o ascetismo,
o reducionismo e o fascismo como adversários não apenas dos saberes
curriculares, mas, o que talvez seja mais importante, das próprias
práticas em que esses saberes se engendram e são produzidos, bem como
das práticas (escolares) que muitas vezes são preconizadas por eles.
Mas é
importante assinalar que, na contramão desse fascismo pedagógico-curricular,
vêm surgindo algumas novas discussões e propostas. Ainda que pontuais
e incipientes, tímidas e pouco conhecidas, elas me parecem promissoras
e talvez possam funcionar como antídotos contra "a amena tirania de
nossas vidas cotidianas" (Foucault, 2001, p. 136).
"Foucault:
a vida como obra-de-arte"
Dra. Ana Maria Burmester - UFPR
"... O
fascismo nosso de cada dia enfrentai-o hoje..."
Dr. André Duarte - Departamento de Filosofia / UFPR
Visionário
que era, já nos anos 70 Michel Foucault nos convidava a reconsiderar
o significado do fascismo, incitando-nos a combatê-lo em suas novas
figurações. Mas, faz sentido continuar a empregar os termos 'fascismo'
e 'fascista' nos dias de hoje? Essa terminologia não estaria já um
tanto ultrapassada? Quais seriam as novas figurações do fascismo?
Como combatê-lo, caso estejamos realmente diante de um novo fascismo?
A presente reflexão se divide em duas partes. Num primeiro momento,
discuto a pertinência do emprego do conceito de fascismo nos dias
de hoje. Para tanto, explicito alguns dos traços fundamentais que
diferenciam o fascismo clássico (fascismo italiano, nazismo, stalinismo)
do fascismo contemporâneo. A despeito do Estado (e, portanto, da política)
ter perdido seu papel de foco aglutinador e irradiador do fascismo
(como se deu no fascismo clássico) para o âmbito fluido do mercado
transnacional de capitais, ainda assim podemos denominar certos discursos
e práticas recorrentes do presente enquanto propriamente fascistas,
na medida em que eles determinam insidiosamente uma padronização homogeneizada
de comportamentos, sentimentos e falas que invadem e regulam previamente
todos os domínios da vida social cotidiana. Recorrendo aos conceitos
de biopolítica, de Foucault, e de sociedade de controle, de Deleuze,
argumento que esses são os vetores de disseminação do novo fascismo,
o fascismo viral, que atua por contaminação endêmica, espalhando-se
silenciosamente pelo planeta como enfermidade crônica que precisa
ser continuamente combatida. Num segundo momento, argumento que as
pesquisas derradeiras de Foucault em torno da estética da existência
e da amizade oferecem novas formas de resistência ético-política,
mais aptas do que a antiga militância de esquerda, para enfrentar
os dilemas de um mundo no qual a política tradicional se tornou apenas
mais um dentre os muitos focos de disseminação do fascismo viral,
e a ética, por sua vez, apenas mais um paliativo despolitizado e,
portanto, ineficaz para sua denúncia e enfrentamento.
"Figurações
de uma atitude filosófica não-facista"
Dr. Carlos J. Martins - Departamento de Filosofia / UNESP
Trata-se
de compreender como Foucault buscou desenvolver um estilo singular
de pensamento não-facista. Vale dizer, pautando-se por uma atitude
antidogmática. Para tanto, percorreremos algumas passagens de seu
pensamento nas quais o filósofo circunscreveu os principais traços
desta atitude filosófica.
"Escultura
da carne: pedagogias totalitárias do corpo"
Dra. Carmen Lúcia Soares - FEF e FE / UNICAMP
Este
artigo pretende discutir as pedagogias contemporâneas que se encarnam
em indivíduos e grupos normalizando e governando os desejos mais íntimos,
as ações mais singelas. Em seu desenvolvimento, problematiza as desigualdades
guardadas no coração das carnes e das anatomias, sublinhando as ambições
e maneiras de conhecê-las e esculpi-las em modelos totalitários.
"Dietética
e conhecimento de si"
Dra. Denise Bernuzzi de Sant'Anna - Programa de Estudos Pós-Graduados
em História / PUC-SP
As noções
de excesso e comedimento nos cuidados com o corpo exprimem, em cada
cultura, seus temores e sonhos. Em alguns estudos de Michel Foucault
encontram-se indicações importantes sobre a aliança estabelecida historicamente
entre regime e controle do corpo.A partir dela pretende-se questionar
as aproximações entre o fascínio pelas dietas da época atual e os
regimes de vida propostos por gregos e romanos da Antiguidade, incluindo
as noções de beleza e prazer. Trata-se, também, de diferenciar algumas
incitações e interdições, referentes à alimentação e a sexualidade
presentes na mídia atual, dos cuidados com o corpo analisados por
Foucault no passado.
"Foucault
y el feminismo"
Dra. Dora Barrancos - Facultad de Ciencias Sociales / Universidad de Buenos
Aires, Argentina.
La comunicación
focaliza algunos segmentos de la teoría feminista en orden a establecer
los débitos de esta última con las posiciones de Foucault, bien como
los límites de esa contribución a la luz de algunos análisis, especialmente
el de Lois McNay. Se trata de hacer un balance de las adhesiones más
conspicuas de las tesis foucaultianas a propósito del horizonte mayor
de la posmodernidad. Se explora el uso de términos y conceptos migrados
hacia el feminismo, pero también las formas en que ciertas concepciones
que anclan en Foucault han permitido retar al feminismo, como es el
caso de Judith Butler.
"A bela
ou a fera: os corpos entre a identidade da anomalia e a anomalia da identidade"
Dr. Durval Muniz de Albuquerque Junior - Departamento de História
/ UFRN
Partindo
das reflexões que Michel Foucault faz sobre a transição da figura
do monstro para a figura do anormal, ao longo dos séculos XVIII e
XIX, bem como da análise que faz dos casos Herculine Barbin e Pierre
Riviére, esta comunicação bucará pensar o problema da emergência do
dispositivo das identidades individuais e coletivas como um capítulo
do processo de constituição de uma sociedade disciplinar e do estabelecimento
de relações micro-facistas na vida cotidiana, nas relações interpessoais,
notadamente, nas relações que se estabelecem com os corpos. Buscar-se-á
pensar como a emergência de figuras monstruosas na literatura do século
XIX e do começo do século XX como o Frankstein de Mary Shelley, o
Drácula de Bram Stoker ou o homem transformado em besouro em A Metamorfose
de Franz Kafka seriam expressões literárias deste clima de terror
que percorre todas as relações sociais, este medo do monstro, do animal,
da fera que nos habitaria ou que habitaria a multidão, o rosto e o
corpo anônimo, mesmo quando tivesse uma bela aparência. Não seria
a virtualidade do fascismo como instituição total que se expressava
neste medo, nesta repulsa, e, ao mesmo tempo, nesta atração pelo mostruoso,
pelo anormal?
"Foucault-parresiasta"
Dr. Edson Passetti - Depto. Política, Pós-Graduação Ciências Sociais e
Nu-Sol (Núcleo de Sociabilidade Libertária) / PUC-SP
Há em
Foucault um desassossego constante. Com o curso de 1982-1983, Le gouvernment
de soi et des autres, e o seminário de Berkeley "Fearless Speech",
amplia-se uma inquietação esboçada um ano antes em A hermenêutica
do sujeito, onde ele sublinhava: "é possível suspeitar que haja uma
certa impossibilidade de constituir hoje uma ética do eu, quando talvez
seja esta uma tarefa urgente, fundamental, politicamente indispensável,
se for verdade que, afinal, não há outro ponto, primeiro e último,
de resistência ao poder político senão na relação de si para consigo".
Ao estabelecer conversações sobre o parresiasta, aquele que sabe o
risco de com sua atitude dizer verdades francamente a um superior,
Foucault aborda os efeitos de sua aparição na decadência da democracia
grega. Na atualidade, sob o regime da propagação da crença na democracia,
com as encenações eleitorais acopladas às múltiplas maneiras de ser
convocado a participar, constata-se a redução cada vez mais acentuada
de resistências. Ao mesmo tempo as subjetividades fascistas parecem
viver uma estranha dilatação. Então, falar francamente com os democratas
e sua história de militantes combatentes de totalitarismos à direita
e à esquerda, é também invadir os fascismos e estender espaços libertários.
O desassossego de Foucault, como atitude parresiasta, propicia existência
à impaciente liberdade dos que recusam os universalismos e elaboram
uma ética libertária de si.
"A genealogia
da 'microfísica do poder'"
Dr. Ernani Chaves - Faculdade de Filosofia / UFPA
O curso
"O poder psiquiátrico", publicado no Brasil em 2006, colocou para
o próprio Foucault um problema fundamental: em que medida esse curso,
proferido em 1973-1974, amplia, desloca, alarga as análises da História
da Loucura? Tanto a questão quanto a resposta são dadas por Foucault
na abertura do curso, isto é, em sua primeira aula: trata-se de fato,
de um deslocamento em relação às análises do livro de 1961. Criticando,
em especial, o último capítulo da História da Loucura, Foucault vai
mostrar que tanto o papel exercido pela violência quanto o pela instituição
e pela família naquele livro precisam ser reconsiderados à luz de
uma nova perspectiva, a da "microfísica do poder". Minha comunicação
parte, portanto, do ponto de vista de que a importância estratégica
deste curso consiste no fato de que nele, a partir da autocrítica
de Foucault, podemos acompanhar a construção paciente, laboriosa,
exaustiva, de uma "microfísica do poder" gestada concomitantemente
à análise da constituição história da psiquiatria e do espaço asilar.
Em outras palavras, o curso possibilita a tentativa de retraçarmos,
na obra do próprio Foucault, uma genealogia do conceito de "microfísica
do poder", que é central em sua obra.
"Michel
Foucault, o racismo de estado e além: a imagem de si e a construção do
outro a partir da Antigüidade"
Dr. Glaydson José da Silva - Departamento de História / UFSP
O pensamento
de Michel Foucault pode ser entendido como um dos maiores aportes
para as Ciências Humanas do século passado; seus influxos são reconhecidos
nas diferentes áreas do conhecimento dela advindo e, pode-se dizer,
no caso dos estudos sobre a Antigüidade exerceram um papel importante
na sua renovação. O objetivo nessa comunicação consistirá em desenvolver,
mediante estudo de caso, uma análise da instrumentalização do mundo
antigo na construção da imagem de si e do outro nos discursos xenofóbicos
da extrema direita francesa na década de 90. Para essa análise, preocupada,
sobretudo, com o "olhar" do racista, importa, de maneira significativa,
o pensamento de Foucault acerca do biopoder e do racismo de estado,
além de seus desdobramentos.
"Foucault
e os estudos queer"
Dra. Guacira Lopes Louro - Programa de Pós-graduação em Educação / UFRGS
Foucault
nunca pretendeu fundar qualquer teoria. Mas não são poucos os movimentos
teóricos e culturais que remetem a ele suas origens ou lhe atribuem
impulsos primordiais, enquanto outros expressam uma relação ambivalente
de aproximação e de contestação com o filósofo. Para alguns analistas,
não somente as políticas de identidade construídas em torno do gênero
e da sexualidade mas também aquelas que se auto denominam pós-identitárias,
como a queer, são de algum modo tributárias do pensamento de Foucault.
Meu propósito é ensaiar algumas reflexões sobre os modos como o pensamento
foucaultiano está 'enredado' nesta teorização contemporânea.
"Anti-individualismo,
vida artista, e análise não-fascista da obra de Michel Foucault"
Dr. Guilherme Castelo Branco - Departamento de Filosofia / UFRJ
No Dits
et Écrits, obra que reúne textos publicados postumamente, em 1994,
nas indispensáveis e sempre atuais entrevistas, curtos textos e artigos
onde estão suas idéias mais vivas, algumas passagens revelam a clara
oposição entre individualismo e vida artista. O indivíduo libertário,
que pratica e exerce a ontologia crítica do presente, neste trabalho,
será descrito, à luz de citações detalhadas, como um sujeito despojado
de um mundo interior, de um si, de um cuidado de si. É o que buscaremos
desvelar, pela pesquisa nas fontes bibliográficas, de modo a esclarecer
que Foucault não é um pensador fascinado pela antigüidade, ultrapassado,
saudosista e sem lugar no presente histórico; pelo contrário, Foucault
é um pensador na contramão da vida burguesa, normalizada, individualizada,
individualista. Foucault é, assim, pensador da resistência ao poder,
totalmente vinculado com a agonística e a ontologia vitalista do pensamento
contemporâneo.
"Michel
Foucault no Brasil dos militares - Ditos e escritos por uma liberdade
da filosofia"
Dra. Heliana de Barros Conde Rodrigues - Psicologia Social / UERJ
A apresentação
procurará retomar indícios das passagens de Michel Foucault pelo Brasil,
nas décadas de 1960 e 1970, com base em fontes escritas e orais. Seminários,
cursos, entrevistas, notícias na imprensa e narrativas dos que com
ele conviveram servirão de base para explorar exercícios de liberdade
em um panorama caracterizado por intensas relações de dominação.
"Odradek,
Hurbinek. Anotações na margem de um texto de Kafka"
Dra. Jeanne Marie Gagnebin - Departamento de Teoria Literária - IEL/UNICAMP
e Departamento de Fiolosofia / PUC-SP
Uma das
mais enigmáticas das pequenas narrativas de Kafka, no centro do "Médico
rural", trata da "preocupação do pai de família" em relação a um ser
híbrido e inútil, chamado de Odradek, que escapa de sua compreensão
e de seu controle. A partir de uma análise desse texto e de alguns
comentários, tentar-se-á explicitar como e por que essa existência
sem sentido pode despertar no leitor uma sensação de alegre resistência
e de eficaz impertinência - em oposição à dor que provoca a descrição
de seu irmão gêmeo, pelo menos no nome e na falta de sentido, Hurbinek,
a criança sem palavras evocada por Primo Levi no início da "Trégua".
"Biopoder
e Animalização"
Dr. José C. Leme - Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
Nova de Lisboa, Secção de História e Filosofia da Ciência do Departamento
de Ciências Sociais Aplicadas
Trata-se
de saber em que medida o conceito de "animalização" desenvolvido por
Giorgio Agamben, a partir dos estudos de Michel Foucault sobre o biopoder,
é de facto pertinente para perceber a tese foucaultina, uma vez que
Foucault nunca empregou o conceito. A comunicação tem duas partes:
na primeira mostro o desvio conceptual realizado por Agamben em relação
a Foucault; na segunda, procuro reinterpretar o conceito de animalização.
"Tomar
distância do poder"
Dr. José G. Gondra - Departamento de Estudos Gerais da Educação / UERJ
Os trabalhos
de Foucault têm sido objeto de apropriações em campos de saber distintos
como a filosofia, medicina, direito, antropologia, psicologia, pedagogia
e história, afetando igualmente problemas e objetos recobertos nas
fronteiras definidas por tais disciplinas e os próprios campos disciplinares.
Isto pode ser considerado um sintoma do modo como pensa e opera com
a disciplinarização, testando, experimentando e sonhando com outra
ordem dos saberes.
De modo
geral, os trabalhos foucaultianos, considerando, no caso do Foucault,
os perigos de se empregar este termo no que ele sugere de alinhamento
e fidelidade, se desenvolvem com base em uma tripla ramificação, procurando
examinar as relações entre saber, poder e sujeitos e o efeito de tais
relações na configuração dos nossos problemas. Com isto, procura imprimir
uma perspectiva complexa para análise de nosso presente e de nós mesmos.
No entanto, ainda que reconhecendo os dispositivos presentes nos discursos
e o controle que os mesmos procuram instaurar no que se refere a sua
recepção, Foucault gostava de assinalar que um comentário jamais era
equivalente a um discurso primeiro e os leitores sempre torciam ou
faziam ranger os textos lidos. Esta verdade, por exemplo, pode ser
bem demonstrada com o que tem sido feito com o livro Vigiar e Punir
e, de um modo mais amplo, com suas reflexões acerca da teoria do poder.
A tomada
deste livro como matéria para pensar esta verdade foi presidida pelo
fato deste ser o livro de Foucault mais amplamente difundido no Brasil
e, talvez, no exterior. Para se ter uma idéia, este livro se encontra
traduzido para o inglês, espanhol e português. No caso do Brasil,
segundo levantamento recente , este livro já vendeu 122.229 exemplares;
um verdadeiro fenômeno editorial, se considerarmos as tiragens dos
livros acadêmicos que raramente ultrapassam dois mil exemplares Esta
difusão alargada ajuda a dimensionar as torções que este texto tem
experimentado. Dentre elas, cabe destacar uma certa apropriação que
reconhece ser este o livro das máquinas, engrenagens que, no limite,
eliminava a força dos sujeitos.
Nesta
comunicação, inspirado no esforço recente de Revel (2006), também
pretendo problematizar esta apropriação. Para tanto, articularei este
texto com aulas, sobretudo O Poder Psiquiátrico, e outros ditos e
escritos do Foucault em períodos anteriores e posteriores a publicação
deste livro e de sua tradução, tomando o caso brasileiro como base
para este exercício. Não se trata de repor a verdade do Vigiar e Punir,
mas de torcê-lo junto com outras palavras do próprio Michel Foucault,
de modo a não empobrecer a rica contribuição do mesmo para pensar
o mundo moderno e a complexa engrenagem criada como estratégia para,
no limite, tornar natural as formas de saber, poder e do próprio homem
inventadas e reformadas na modernidade.
Este
exercício de torção, tomando por base as próprias palavras de Foucault
acerca do poder objetiva tomar certa distância dos jogos de apropriação
por intermédio de um duplo movimento. Inicialmente se trata de assinalar
no interior do próprio Vigiar e Punir a existência de sinais que indicam
que as máquinas não preexistem aos saberes e que são postas em funcionamento
de modo heterogêneos pelos sujeitos que nelas agem. O segundo plano
consiste em observar que este tema é tratado em vários momentos do
curso da produção intelectual de Michel Foucault, o que ajuda a demonstrar
variações e ênfases que o mesmo imprime ao problema do poder e de
seu funcionamento no mundo moderno.
Com isto,
pretendo sublinhar a presença do princípio operatório em que Foucault
articula saber, poder e sujeito no próprio Vigiar e Punir e, ao mesmo
tempo, chamar atenção para o fato de que a combinatória entre tais
elementos não obedecem nem a uma necessidade, tampouco a uma teleologia,
sendo possível flagrar arranjos inéditos, irrepetíveis e imprevisíveis
nas relações estabelecidas entre saber, poder e sujeito. Para tanto,
me parece que uma linha de fuga possível consiste no esforço em tomar
distância do poder, de promover um desapego em relação ao mesmo como
condição para realizar uma crítica das reflexões sobre esta questão
e dos jogos de apropriação que se desenvolvem acoplados às mesmas,
marcados eles também por formas de saber, poder e ação de sujeitos
posicionados.
"Combater
na imanência"
Dr. Luiz B. L. Orlandi - Departamento de Filosofia - IFCH/UNICAMP
Dado
que as obras de Foucault e de Deleuze são dificilmente instrumentalizáveis
em função de um fundamento ou de um ideal transcendente, e dado que
elas comportam, ao mesmo tempo, um posicionamento avesso à confusão
entre atividade intelectual e direito ao exercício de poderes, trata-se
de armar a seguinte pergunta: que idéias, presentes nessas obras,
poderiam justificar a sensação de que esses pensadores são muito mais
úteis à assunção e à expressão dos combates na imanência do que os
manifestos que subentendem uma Razão da história ou que acenam a um
ideal de sociedade a ser atingido? Haveria incompatibilidade entre
engajamento nas lutas parciais e fortes mudanças qualitativas numa
história de longa duração? Por que essas perguntas? Porque se nota
por aí um duplo pessimismo: o que vem de um socialismo real que não
deu certo e o que viria de revoluções moleculares cujos efeitos são
de difícil apreensão.
"O
'livro-teatro' jesuítico: uma leitura a partir de Foucault"
Dra. Magda Maria Jaolino Torres - IFCS/UFRJ
Um livro
de imagens produzido pela Companhia de Jesus - Evangelicae historiae
imagines ex ordine Evangeliorum, quae toto anno in Missae Sacrificio
recitantur, in ordenem temporis vitae Christi digestae -, publicado
em Antuérpia, em 1593, está na base deste trabalho. Seu objetivo explicitado
é o de tornar visíveis, colocar em cena temas e conteúdos bíblicos
e da Tradição católica. Nesta obra parece revelar-se as regras de
contemplação dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio tornando-o,
talvez, uma das suas mais importantes traduções iconográficas, com
as marcas de clareza e de verossimilhança, características do drama
barroco. O livro-teatro prevê, fundamentalmente, o movimento em si
mesmo, ilustrar a ação é o seu objetivo, atingindo quase a ilusão
cinética. Portanto, penso poder considerar este livro-teatro da Companhia
de Jesus como o testemunho mais autorizado do teatro mental que está
na base de toda a devotio inaciana. De fato, ao refletir sobre a mise
en scène inaciana, construindo, para este fim, um corpus documental
em que se pudesse individuar as regras enunciativas de sua formação,
parece ser possível descrever suas matrizes, no século XVI. Entretanto,
talvez, haja mais e este mais bem poderia ser a possibilidade de flagrar
a emergência de uma outra “ordem” das formas de representação - uma
nova maneira de fazer a história. Uma ordem que, como advertiu Foucault,
só existe através do crivo de um olhar, de uma atenção, de uma linguagem.
"Max Weber,
Michel Foucault e a crítica ao presente"
Dr. Márcio Alves da Fonseca - Departamento de Filosofia / PUC-SP
A comunicação
pretende discutir uma aproximação entre os pensamentos de Max Weber
e Michel Foucault a partir de sua referência comum à filosofia compreendida
enquanto crítica ao presente histórico. Pretende-se indicar problemas
comuns colocados pelos escritos dos autores, considerando-se seu vínculo
à questão da modernidade e à filosofia como "atitude" crítica.
"Biopolítica
e literatura: instituições e estados totalitários na ficção científica
e na literatura de testemunho"
Dr. Márcio Seligmann-Silva - Departamento de Teoria Literária - IEL /
UNICAMP
O trabalho
apresenta o conceito de biopolítica como um importante operador na
leitura e interpretação de obras produzidas a partir do romantismo.
Este conceito permite uma leitura que acompanhe na história da literatura
a gestação de vários topoi que posteriormente se tornaram centrais
nos estados totalitários do século XX. O texto apresenta também alguns
exemplos de literatura produzida após a Segunda Guerra Mundial nos
quais a distopia volta a apresentar características do Estado Totalitário.
Estas distopias são também confrontadas com alguns testemunhos de
sobreviventes de campos de concentração, visando o estudo da representação
destas situações limites e de seus reflexos na produção cultural.
"Dizer
sim à existência"
Dra. Margareth Rago - Departamento de História - IFCH / UNICAMP
Libertar
o pensamento das formas rígidas que o aprisionam é, para Foucault,
um dos passos mais importantes na luta contra os fascismos que impregnam
a vida cotidiana e que inviabilizam a aventura do pensamento. Sem
barcos, lembra ele, as civilizações deixam de sonhar, a espionagem
substitui a aventura e a polícia os corsários. Dizer sim à existência
implica romper com a lógica do negativo e a crença na representação,
que marcam tão fortemente o pensamento ocidental, ainda em nossos
dias, e afirmar a diferença em seu potencial subversivo e criador.
"(Des)educando
corpos: volumes, comidas, desejos e a nova pedagogia alimentar"
Dra. Maria Rita de Assis César - UFPR
A partir
de duas intervenções sobre o volume corporal, a primeira sendo a obra-instalação
"A classificação científica da obesidade" de Fernanda Magalhães, e
a segunda o conto "A mulher ilustrada", de Ray Bradbury, realizo uma
reflexão sobre os significados do corpo contemporâneo. Em sua obra,
Fernanda Magalhães responde à "classificação científica da obesidade"
cortando a gordura dos corpos e pendurando-os sobre o piso das galerias
de arte, deixando-os leves e ocos, soltos e rápidos, flutuando junto
a nós. Já Ray Bradbury narra a aflição de Emma Fleet diante do médico,
solicitando que este lhe indique um caminho para que ela possa aumentar
ainda mais a já volumosa superfície do seu corpo, para que ela e o
Sr. Fleet, seu marido, possam continuar a se entreterem em uma relação
amorosa cujo ponto central é a exploração dos espaços e superfícies
do corpo de Emma. Ambas narrativas, a intervenção plástica de Fernanda
e o conto de Bradbury, oferecem um campo de interrogações que nos
levam a pensar sobre os discursos e as práticas contemporâneas sobre
o corpo magro, isto é, sobre as estratégias biopolíticas que categorizam,
medicalizam e excluem o volume corporal. A idéia de um corpo gordo
que precisa ser disciplinado e controlado no seu volume, forma, intensidade
e desejo de comer, por meio de atos disciplinares, de uma biopolítica
da saúde e de uma pedagogia da alimentação saudável, fornece elementos
para pensarmos sobre as possibilidades de uma vida não fascista. A
reflexão sobre o corpo e seu volume faz-se necessária na medida em
que medicamentos, cirurgias, exercícios e programas alimentares são
criados e atribuídos aos corpos produzindo uma nova ortopedia da alimentação
saudável, desde as instituições escolares que oferecem um "lanchinho
saudável" às crianças obesas, enquanto as outras crianças se deliciam
em bocados de torta de chocolate, até os consultórios médicos ocupados
por distintos senhores e senhoras, criando uma separação entre corpos
gordos/doentes e corpos magros/saudáveis e produzindo a abjeção ao
volume. A obra de Fernanda Magalhães e o conto de Bradbury vêm ofuscar
esta separação de corpos, na medida em que oferecem possibilidades
mas livres de se pensar os corpos e seus volumes.
"Natureza
e Biopolítica em Foucault"
Dra. Nádia Farage - Departamento de Antropologia - IFCH / UNICAMP
"A escrita
como prática de si"
Dra. Norma Abreu Telles - professora aposentada - PUC-SP
Foucault
se preocupa com a constituição do sujeito, com os jogos entre o verdadeiro
e o falso através dos quais o ser se constitui historicamente como
experiência. O indivíduo não é dado, mas o sujeito se forma em práticas
reais e históricas. Reler a literatura, de mulheres no oitocentos
nos ensinou que embora as opressões possam ser invisíveis, elas estão
presentes como o ar que respiramos e imperceptivelmente modelam as
formas e movimentos da vida. Esta apresentação se constrói em torno
da noção de práticas de si, especialmente em torno da prática da escrita
que pode nos mostrar ser preciso inventar modos de existência capazes
de resistir ao poder, ao mesmo tempo, que se furtam ao saber prevalecente
no ambiente para deles se apropriar buscando outros caminhos, visto
que a prática de si através do exercício da escrita não cessa de "tentar
compreender a fronteira entre o visível e o invisível para descobrir
o invisível do visível (Deleuze)".
"Governamentalidade
e (des) Obediência: Novos horizontes do direito e da política"
Dr. Oswaldo Giacoia Junior - Departamento de Filosofia - IFCH / UNICAMP
A comunicação
estará centrada sobre o exame da arqueo-genealogia da bio-política
de Michel Foucault, com vistas a compreender tantos os processos de
inclusão da vida nos cálculos e mecanismos do poder político nas sociedades
ocidentais modernas, com as respectivas formas de subjetivação, mas
também, em contrapartida, os movimentos de resistência que tomam apoio
no mesmo campo de incidência do exercício do poder soberano. Tratar-se-á,
portanto, de sublinhar a ambigüidade inerente à formação das modernas
sociedades liberais, que encontra correspondência no plano jurídico-formal
da soberania e no das práticas de normalização disciplinares e previdenciárias.
"Foucault
e o estudo do mundo antigo"
Dr. Pedro Paulo Funari - Departamento de História - IFCH / UNICAMP
Michel
Foucault tratou, em diversas obras, do mundo antigo. A partir de uma
posição exterior aos campos disciplinares tradicionais (História Antiga,
Letras Clássicas, Filosofia Antiga, Arqueologia Clássica), formulou
uma série de críticas epistemológicas de fôlego. Sua influência fêz-se
sentir de imediato, mas apenas nas últimas duas décadas suas críticas
aos modelos normativos e homogeneizadores tornaram-se moeda corrente
e referências importantes. O caso mais paradigmático refere-se ao
estudo da sexualidade antiga, tratado em estudo de caso.
"Biopolítica
e vida capital"
Dr. Peter Pál Pelbart - Departamento de Filosofia / PUC-SP
A vida
tornou-se o alvo supremo do capital. A política do totalitarismo moderno,
de um lado, a sociedade de consumo e do hedonismo de massa, de outro,
constituem duas modalidades que se comunicam. Como pensar a resistência
num mundo em que a cada vez que se conquistam liberdades e direitos,
ocorre uma crescente inscrição da vida na ordem estatal?
"Devenir
anonyme. Ecrire anonymement"
Dr. Philippe Artières - Président du Centre Michel Foucault, Paris, França.
Entre
as "artes da vida não fascista" evocadas por Michel Foucault, há uma
que se desenvolveu desde o século XIX, com o advento de um poder da
escrita articulado com a sociedade disciplinar: a do anonimato. A
máscara, a luva, a maquilagem são os acessórios desta arte de resistência.
É do
lado da escrita, que esta arte se manifestou mais fortemente: assistiu-se
ao aparecimento, nos anos de 1890, de toda uma série de subversões
gráficas. Escritas sem assinatura, efêmeras, móveis tomando conta
de um canto de rua, de um lance de escada, de um muro; palavras trêmulas,
bilhetes ocultos ou colagens de recortes de jornais. Colocar em evidência
a história dessas práticas de escrita subversiva e perguntar por aquilo
que elas ameaçam na própria escrita.
"A Política
do Desejo: Afinidades e Tensões entre a Teoria Queer e a obra de Michel
Foucault"
Dr. Richard Miskolci - Departamento de Sociologia/UFSCar
A Teoria
Queer emergiu no início da década de 1990 unindo fontes do pós-estruturalismo
francês - em especial Derrida e Foucault - com uma vertente do feminismo
e dos estudos gays e lésbicos norte-americanos. Este artigo propõe
explorar alguns aspectos da incorporação criativa que o Queer fez
do pensamento de Michel Foucault: desde a convergência no projeto
de uma analítica da normalização até a tensão do foco queer na subjetividade
dos sexualmente dissidentes. Em suma, buscaremos analisar o diálogo
enriquecedor entre a Teoria Queer e o pensamento de Michel Foucault
discutindo o desafio de somar à crítica dos processos sociais normalizadores
uma compreensão não-normativa da subjetividade daqueles que vivem
em desacordo com as prescrições sexuais e de gênero hegemônicas.
"Breves
indicadores táticos de colonizações da noção de biopolítica, biopoder
em Michel Foucault"
Dra. Salete Oliveira - PUC-SP
A prática
colonialista, como mostrou Foucault, não se reduz do ponto de vista
histórico-político aos domínios contíguos ou distantes, considerados
como exterioridades de fronteiras territoriais estendidas de um Estado
? submetidas à práticas civilizatórias, conjugando subordinação e
extermínio ?, mas também aquilo que será construído como colonização
no território interno, e pela mesma lógica estabelece um atravessamento
de dispositivos de segurança vinculados à emergência histórica da
polícia. Nos inúmeros combates em que Michel Foucault se viu confrontado
problematizou práticas de domesticação e adaptações palatáveis de
noções precisas. Diante de um campo de interceptações em favor da
domesticação do móvel e do fugidio e da reativação de soberanias e
normalizações, encontram-se os usos e as habitações da noção de biopolítica.
Enfrentar esta situação requer atenção aos baixos começos dos nivelamentos
da colonização da própria prática analítica e seus efeitos políticos,
combinados com democracia, revigorando a biopolítica sob uma grandiloqüência
colonizadora ou procedência de pequenos e grandes fascismos.
"Leitura
dos antigos e reflexões do presente"
Dra. Salma Muchail - Departamento de Filosofia / PUC-SP
Serão
abordados alguns ângulos das leituras que Foucault faz das filosofias
grega e greco-romana, realçando aqueles que permitem trazer luz às
reflexões do nosso presente.
"Entre
Édipos e Anti-Édipo: estratégias para uma vida não fascista"
Dr. Sílvio Gallo - Departamento de Filosofia e História da Educação -
FE/Unicamp
Em 1972
Gilles Deleuze e Félix Guattari lançaram sua primeira obra conjunta:
O Anti-Édipo - capitalismo e esquizofrenia. Sob o impacto dos acontecimentos
do maio de 68, a dupla de intelectuais apresentava ali propostas de
novas leituras sobre os processos de subjetivação, sobre as ações
políticas. Foucault parece ter sido muito impactado pela leitura desta
obra. No ciclo de conferências que proferiu na PUC-Rio em maio de
1973, referiu-se a ela para propor uma leitura de natureza política
(e não psicanalítica) da tragédia de Sófocles, para, a partir dela,
realizar uma espécie de "história política do conhecimento". Depois,
ao escrever o prefácio para a edição norte-americana do livro de seus
colegas franceses, referiu-se a ele como uma espécie de "introdução
à vida não fascista". O propósito desta comunicação é o de seguir
as pistas e provocações de Foucault a partir do livro de Deleuze e
Guattari, fazendo a crítica dos fascismos cotidianos e identificando
as possíveis estratégias para uma vida não fascista, especialmente
para os militantes do campo da educação.
"Dos investimentos
em capital humano à potencialização da vida"
Dra. Susel Oliveira - Pós Doutorado em História - IFCH /
UNICAMP
No curso
de 1979 Foucault falava a seus alunos sobre a aplicação da genética
às populações humanas, com vistas à acumulação e melhoria do "capital
humano", num cenário em que a espécie já ingressara no jogo das estratégias
políticas há um bom tempo. O modelo econômico transformara-se num
modelo de existência, através de uma racionalidade governamental que
tem por jogo o planeta inteiro, dizia o filósofo. Forma-captura contemporânea
das subjetividades, à qual precisamos opor os possíveis éticos, os
entre-tempos ou entre-momentos nos quais a vida escapa aos mecanismos
que tentam integrá-la, sacudindo a molaridade do poder e burlando
o "fascismo nosso de cada dia".
"Os grilhões
do sexo: do dispositivo da sexualidade à hiper-sexualização"
Dra. Tania Navarro Swain - UnB
Foucault
identificou um dispositivo que criava e produzia sexualidade ao perscrutar
o ser, ao nomear identidades, ao desvelar essências recônditas: investimentos
sociais e econômicos, neste sentido, garantiram e garantem a eficácia
deste dispositivo. Assim, certas dimensões do humano passam a ser
instituidoras de realidades, em discursos e praticas que proliferam
no auscultar do baixo ventre, desvelando desejos que se tornam essências,
mote e motivação da vida. As contrações espasmódicas e rápidas do
orgasmo tomam foros de libertação, objetivo supremo de uma vida regulada
pela construção do sexo / sexualidade , entre normas e desvios: surge
então, não apenas uma taxionomia descritiva e instituidora do normal
e do patológico , mas igualmente a exacerbação de imagens e cenas
que produzem e geram a necessidade de um sexo praticado, incessante
e inesgotável. Fonte de vida? Fonte de fastio e de cansaço, sim, a
banalização e exposição do sexo/ sexualidade, a hipersexualização
geram seu oposto, a recusa do império da sexualidade infligida em
imagens derramadas pela mídia e pelos discursos sociais. A sexualidade
praticada, função corporal, passa a ser vórtice do humano, mas seu
aspecto construído e o exercício de poder que possibilita não passam
desapercebidos, novos grilhões que nos afligem.
"Práticas
de Liberdade na Sociedade de Comunicação"
Dr. Tony Hara - Rádio Universidade FM/UEL
A mídia
opera não só na memória, na inteligência do homem, mas também, na
sua sensibilidade e afetos. As máquinas e estratégias de informação
e de comunicação contribuem, de modo decisivo, na escolha ou no consumo
de formas de vida. As técnicas simbólicas de dominação utilizam procedimentos
de incitação que tentam modular nossa maneira de ser e nossas formas
de conduta. E nesse atual cenário de dominação das subjetividades
o problema ético se impõe, mais uma vez: como ativar em nós mesmos
as práticas de liberdade? Como pensar as práticas de liberdade nesse
emaranhado de imagens e palavras de ordem que nos faz amar o poder,
desejar esta coisa que nos domina e nos explora? Este ensaio procura
abordar esse problema a partir do entendimento de Foucault de que
a ética é a prática refletida da liberdade. É a prática assumida pela
liberdade, exercida por sujeitos que incorporam as dores, os tremores
e os riscos do trabalho de si sobre si mesmo.
"Notas
para uma educação não fascista da infância"
Dr. Walter Omar Kohan - Centro de Educação e Humanidades / UERJ
Os filósofos
escrevem sobre outros filósofos como uma forma de escrever sobre si.
Quando Foucault diz que o Anti-Edipo de Deleuze e Guattari é uma introdução
a uma vida não fascista e que o fascismo é o grande inimigo desse
livro, provavelmente, está também dizendo que ele é seu grande inimigo.
Mais ainda, a falta de uma análise histórica do fascismo, seja pela
teoria social, na sua habitual atribuição às massas de um desejo pelo
fascismo, seja na esquematização marxista que o define como ditadura
de uma parte da burguesia, constitui um fato político muito importante
("Pouvoirs et stratégies", Dits et Écrits, III, 1977b, p. 422); assim,
para Foucault, o fascismo do Estado moderno não é original, valeu-se
de mecanismos já presentes em outras sociedades, de idéias e procedimentos
já presentes em nossa própria racionalidade política ("Why Study Power?:
The Question of the Subject", 1983, p. 209). O fascismo, para Foucault,
acompanha nossas condutas mais quotidianas e "nos faz amar o poder,
desejar isso mesmo que nos domina e nos explora" ("Preface", 1977a,
p. 134). Talvez pelas mesmas razões, a educação que oferecemos às
crianças não pode não ser fascista, não apenas pelos dispositivos
de poder praticados na instituição escolar, mas pela sua presença
em nosso próprio modo de agir no mundo. Neste texto, proporemos algumas
linhas para começar a pensar o que parece uma exigência impostergável:
uma educação não fascista da infância.
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